segunda-feira, 26 de abril de 2010

100 anos de Akira Kurosawa



O cineasta japonês Akira Kurosawa (1910-1998) é um dos nomes mais reverenciados na história do cinema. Da década de 40, quando iniciou sua carreira com “Sugata Sanshiro” (1943), até os anos 90 – seu último filme foi “Madadayo” (1993) –, projetou o cinema japonês no mundo, tornou-se uma referência para muitos cineastas e presença constante nos principais festivais de cinema. Nesses exatos cinqüenta anos de cinema Kurosawa deixou algumas obras marcantes, sempre lembradas por estudiosos, críticos e apreciadores.
“Rashomon” (1950)`, foto a dir., premiado com Leão de Ouro no Festival de Veneza (freqüentemente presente em listas dos melhores filmes da história do cinema), projeta-o internacionalmente. Além de “Rashomon”, destacam-se entre os filmes mais apreciados e premiados de Kurosawa “Os sete samurais” (1954), que levou o Leão de Prata em Veneza, “Dersu Uzala” (1975), “Kagemusha” (1980), Oscar de melhor filme estrangeiro, “Ran” (1985) e “Sonhos” (1990). Esses são filmes que definitivamente realçam o nome de Kurosawa: obrigatórios, portanto, para os apreciadores da sétima arte.

Kurosawa iniciou sua carreira quando Yasujiro Ozu (1903-1963) e Kenji Mizoguchi (1898-1956) já tinham se estabelecidos como grandes nomes no cinema japonês, uma arte que, vale lembrar, foi muito popular no Japão nos anos 30, mais que apenas a partir da década de 50 teve seus realizadores projetados para além fronteira. Os três, de fato, formam a tríade dos realizadores de cinema mais conhecidos e influentes do Japão. Entre eles o que se pode afirmar é que Kurosawa, embora retrate em seus filmes temas e aspectos da cultura japonesa, foi o que mais marcadamente procurou um diálogo com o ocidente: “Hakuchi” (1950), foto abaixo., é uma adaptação de “O idiota”, de Dostoievski, “Trono manchado de sangue” (1957) e “Ran” são adaptações livres de “Macbeth” e “Rei Lear”, de Shakespeare, “Sonhos” tem por referência as pinturas de Van Gogh.

Essa escolha, vale destacar, torna seu cinema mais sensível e compreensível para o público ocidental do que o de Ozu ou Mizoguchi. Vale realçar também que em relação a Ozu e Mizoguchi o cinema de Kurosawa é destacado pelo tratamento épico e monumental dos temas históricos. Trata-se, portanto, de um cinema mais espetacularizado. O reparo que se pode fazer é que Kurosawa se ocupou com uma gama mais ampla de temas, com o risco que essa escolha acarreta, portanto, com uma filmografia mais irregular e por vezes sujeita a críticas: no meio fio entre o cinema de espetáculo de Hollywood (“Os sete samurais” e “Yojimbo serão adaptados para o gênero western) e temas da tradição japonesa.

De fato, já em seus primeiros filmes Kurosawa busca uma interconexão com temas que exploram a abertura do Japão com o mundo. “Waga seishum ni kuinashi” (1946) expõe as relações de espionagem com o incidente de Takigawa em 1933, momento em que o Japão entra em guerra com a China pela anexação da Mandchuria. E, nesse sentido, o filme de Kurosawa que mais acentua contrastes culturais é “Dersu Uzala”, em que, na paisagem da Sibéria, se confrontam os costumes e modos de vida da cidade, por meio de um topógrafo russo, e um camponês Goldi que lhe serve de guia.

Nesse filme, uma das cenas mais marcantes da história do cinema: no frio siberiano, perdidos e com a chegada da noite, ambos teriam morte certa se Dersu não improvisasse uma cabana com a vegetação rala da região. A respeito de temas voltados para a tradição japonesa, muitas vezes Kurosawa é identificado como o criador de gênero samurai, em que se dá destaque à honra, e nesses filmes são muitas vezes feitas remissões a um suposto Japão feudal. A esse respeito, vale frisar que Mizoguchi antes de Kurosawa filmou o clássico “Samurai Bushido”, “Genroku chushinguara” (1941). Vale frisar igualmente que o Japão feudal da época em que os samurais se tornam uma casta se inicia em 1603, no xogunato Tokugawa, e a era dos samurais termina em 1868, com a restauração Meiji. Os filmes samurais mais conhecidos de Kurosawa, “Os sete samurais”, “Yojimbo” (1961), “Kagemusha”, têm como foco os conflitos que antecedem a chegada do xogunato Tokugawa ao poder, em fins do século XVI e o ocaso dos samurais, com a restauração Meiji. Um suposto Japão feudal nos filmes de Kurosawa só pode ser considerado por padrões ocidentais. O feudalismo é uma forma de organização social e econômica no ocidente que não tem paralelo na cultura japonesa. De qualquer forma, na identificação cronológica com o feudalismo na Europa, “Tora no o wo fumu otokatashi” (1945) se passa em 1185, só que nesse filme não há samurais.

A se notar ainda, embora isso seja muitas vezes esquecido, que Kurosawa talvez seja o cineasta japonês mais sensível e preocupado em expressar as relações humanas no Japão logo após a derrota na II Guerra Mundial. “Zoku Sugata Sushiro” (1945) foi filmado justamente no ano em que a guerra terminou e faz referência à resistência ao abuso das forças de ocupação. Igualmente com foco nas relações humanas no pós-guerra destacam-se “Yoidore tenshi” [na foto acima] (1948) e “Shizukaru ketto” (1949). Nesses filmes Kurosawa tem como pano de fundo o social para expressar os sentimentos humanos com um acento humanista que lembra o romancista Yasunari Kawabata (1899-1972).

Nos cinqüenta anos férteis em que se tornou um dos cineastas mais conhecidos e festejados (Kurosawa responde pela direção de 31 filmes), observa-se dois momentos importantes em sua carreira: o final dos anos 40 e os anos 50, quando filmou “Yoidore tenshi”, “Rashomon”, “Os sete samurais” e “Trono manchado de sangue”, e seus últimos filmes, principalmente a partir de “Dersu Uzala”. Nesse balanço, “Yojimbo” destaca-se como o último grande filme da primeira fase da carreira de Kurosawa. Entre “Yojimbo” e “Dersu Uzala” em seus filmes há inegável perda de vigor. A década de 60, para muitos a ápice da arte cinematográfica, não foi prolífica para Kurosawa. Com “Dersu Uzala”, contudo, pode-se afirmar que Kurosawa retorna e nesse retorno inegável que filmes como “Kagemusha”, “Ran” e “Sonhos” são referências marcantes. Nessa segunda fase da obra de Kurosawa o acento negativo justamente para seu filme derradeiro, “Madadayo”, em que volta à temática das relações humanas do pós-guerra, mas que no conjunto de sua obra se revela demasiado amaneirado.


Por fim, na soma, Kurosawa merece sempre ser visto e revisto. Principalmente quando se quiser ter em vista uma obra que toca em muitos aspectos recônditos da alma e com isso se oferece para uma experiência estética poucos artistas no cinema conseguem. Cineastas distintos como Sergio Leone e Jim Jarmusch devem muito à arte de Akira Kurosawa.

[Por Humberto Pereira]

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